Com mais de 1 bilião de dólares em investimentos estrangeiros, a nova Estratégia Nacional de Reconversão dos Sistemas Agroalimentares (ENRSAG) promete modernizar o sector.
O Ministério da Agricultura e Florestas de Angola (MINAGRIF) revelou oficialmente o seu ambicioso plano, a Estratégia Nacional de Reconversão dos Sistemas Agroalimentares (ENRSAG), que visa reestruturar radicalmente o sector agrícola do país entre 2026 e 2035. A estratégia, apresentada em Cacuaco, Luanda, representa a aposta mais audaciosa do país para alcançar a autossuficiência alimentar, mas é lançada num cenário de imensas oportunidades e desafios.
O Desafio: Uma Nação de Potencial Inexplorado
O desafio central foi exposto pelo Ministro da Agricultura, Isaac dos Anjos: "O desafio é garantir que as nossas camponesas e os agricultores familiares abandonem o uso exclusivo da enxada e passem à mecanização, para poderem aumentar a produtividade diária e melhorar a sua qualidade de vida", declarou no seminário de apresentação.
Esta afirmação, no entanto, contrasta com a dura realidade do sector: o nosso país, com mais de 35 milhões de hectares de terra arável fértil, cultiva actualmente apenas 10% dela. O país gasta mais de 3 mil milhões de dólares anualmente a importar mais de metade dos seus alimentos, uma dependência que, segundo o Programa Alimentar Mundial, contribuiu para que uns impressionantes 40% das nossas crianças com menos de cinco anos sofram de nanismo, uma das taxas mais elevadas do mundo. Para os 90% dos agricultores angolanos que são pequenos produtores, a "enxada" é um símbolo de um vasto fosso de produtividade, com os rendimentos médios de milho a permanecerem abaixo de 1 tonelada por hectare, uma fracção das 8 toneladas por hectare prometidas por novos projectos internacionais.
A Solução: Investimento e Mecanização
A ENRSAG visa colmatar esta lacuna através da criação de um Banco de Crédito Agrícola dedicado e da intensificação da produção sustentável. Esta política oficial fornece agora o enquadramento estratégico para uma onda sem precedentes de investimento estrangeiro. Mais de 1 bilhão de dólares já foram comprometidos por parceiros internacionais, incluindo um acordo de 500 milhões de dólares com a Al Dahra dos Emirados Árabes Unidos para desenvolver até 40.000 hectares e um investimento de 250 milhões de dólares da empresa chinesa CITIC para cultivar soja e milho.
Estes acordos, juntamente com propostas de concessões de terras em larga escala para produtores brasileiros, estão prestes a colocar uma área de terra equivalente a quase 20% de toda a terra actualmente cultivada em Angola sob produção de alta tecnologia.
O alinhamento da estratégia com os objetivos de desenvolvimento foi elogiado por Anastácio Gonçalves, então Representante da FAO em Angola. Ele destacou o papel fundamental do sector, observando que a contribuição de 16-19% da agricultura para o PIB foi um motor crucial para o crescimento económico de 4,4% de Angola em 2024, confirmado pelo Banco Mundial. "O objectivo é substituir acções dispersas por ecossistemas integrados que tornem a agricultura familiar mais rentável, inovadora e resiliente”, afirmou Gonçalves.
Prováveis riscos, segundo analistas
No entanto, analistas supõem que esta transformação é uma aposta de alto risco. Propondo que as novas mega-explorações agrícolas, focadas em culturas que consomem muita água, como o milho e a soja, poderão exigir um volume estimado de 4,5 mil milhões de metros cúbicos de água anualmente. E esta sede colossal surge numa altura em que Angola continua a enfrentar os efeitos da pior seca dos últimos 40 anos, que, segundo a FEWS NET, deixou entre 1,5 e 1,99 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar aguda até meados deste ano.
A Questão Central: Crescimento Inclusivo ou Exclusivo?
Enquanto o país se encontra à beira de uma grande transformação agrícola, a ENRSAG 2035 traça um rumo para longe da dolorosa história de dependência alimentar do pós-guerra e de volta ao nosso legado como potência agrícola do pré-guerra. Todavia, para alguns analistas, a questão fundamental é se esta transformação rápida e intensiva em capital construirá um sistema verdadeiramente 'inclusivo e resiliente', ou se a corrida para a mecanização deixará para trás precisamente os agricultores familiares que promete emancipar.
25. Setembro de.25